O FÓRUM NACIONAL DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS, instrumento de controle social que congrega entidades da sociedade civil com atuação em âmbito nacional, órgãos de governo, o Ministério Público e representantes do setor acadêmico e científico, por seus representantes abaixo-assinados, vem a público manifestar seu APOIO à decisão judicial proferida pelo Juízo da 7ª Vara Federal de Brasília, proferida no âmbito da Ação Civil Pública nº 21371-49.2014.4.01.3400, que determinou a suspensão dos registros de produtos que contenham os ingredientes ativos abamectina, glifosato e tiram, bem como a proibição de novos registros, até que a ANVISA conclua os procedimentos de reavaliação toxicológica, CONSIDERANDO que:

1. o meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui-se direito fundamental difuso, reconhecido pela Constituição da República do Brasil, com a imposição de diversas obrigações ao Poder Público e à coletividade, entre as quais o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, nos termos do caput do artigo 225 , com a obrigatoriedade de observância na exploração da atividade econômica, como determina o artigo 170, inciso VI ;

2. a saúde e a alimentação adequada são direitos sociais, reconhecidos pelo artigo 6º, da Constituição Federal, sendo que as ações e os serviços de saúde foram expressamente classificados como prestações de relevância pública (artigo 197);

3. a proteção do consumidor é um direito fundamental e um princípio da ordem econômica, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, e 170, inciso, V, da Constituição Federal;

4. o uso de agrotóxicos no Brasil, recordista em consumo, é uma questão de saúde pública, ambiental e de Direitos Humanos, como bem já se manifestou a Organização das Nações Unidas, em múltiplas publicações ;

5. o registro de agrotóxicos no Brasil é autorizado somente após avaliação quanto aos impactos à saúde humana, ao meio ambiente e eficiência agronômica, realizados respectivamente pelos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura;

6. nos termos do artigo 3º, § 6º, alínea c, da Lei 7.802/89, é vedado o registro de substâncias que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados dos testes e experimentos realizados pelos registrantes e estudos atualizados pela comunidade científica;

7. como o registro de agrotóxicos no Brasil é ad eternum, impõe-se a reavaliação toxicológica dos registros de ingredientes ativos já autorizados, quando existem riscos à saúde humana ou ao meio ambiente;

8. a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/WHO), em 2015, classificou o glifosato, agrotóxico que corresponde a 40% do total utilizado no Brasil, como provável cancerígeno (grupo 2A), após avaliação de extensa literatura científica por especialistas, situação que remete a proibição do seu registro, nos

termos do artigo 1.3.2, da Portaria nº 03/1992, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde ;

9. recente julgado norte-americano considerou carcinogênico o produto RangerPro, a base de glifosato, condenando a fabricante Monsanto ao pagamento de R$ 1,1 bilhão a um trabalhador que desenvolveu linfoma não-Hodgkin, após exposição prolongada ao herbicida ;

10. estudos indicam que, além do câncer, o glifosato está associado a alterações hormonais, reprodutivas, comprometimento hepático e renal, sendo responsável por ampla contaminação da água e dos alimentos, fatores que devem ser avaliados em conjunto para definir os impactos à saúde humana, em especial de crianças e idosos, que são os grupos mais vulneráveis ao desenvolvimento dessas doenças;

11. a ANVISA publicou, em 22/2/2008, a Resolução de Diretoria Colegiada nº 10/2008 , pela qual, após constatados indícios de perigo de diversos compostos químicos, instaurou-se comissão técnica para realizar a reavaliação toxicológica dos ingredientes ativos glifosato, parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram e paraquate, em razão de resultados de estudos toxicológicos nacionais e internacionais, do contexto de exposição de trabalhadores, dos dados de intoxicação humana e da contaminação de

alimentos, entre outras notícias reportadas por agências reguladoras de outros países, organismos multilaterais e instituições científicas renomadas;

12. os prazos para conclusão dos processos de reavaliação toxicológica foram prorrogados repetidas vezes, postergando temerariamente o registro de substâncias reconhecidamente perigosas à saúde e ao meio ambiente;

13. o Tribunal de Contas da União, por meio dos acórdãos nº 2303/2013 e 1083/2015, determinou à ANVISA que elaborasse plano de ação para solucionar a insuficiência de servidores para atender à quantidade crescente de pedidos de registro de agrotóxicos, as fragilidades de segurança no instrumento de controle utilizado para gerenciar processos de registro de agrotóxicos, além do descumprimento dos prazos previstos no Decreto 4.047/2002 e na própria Resolução nº 10/2008 para conclusão dos processos de reavaliação toxicológicas;

14. o Ministério Público Federal, diante da morosidade da ANVISA, ajuizou a Ação Civil Pública nº 21371-49.2014.4.01.3400, distribuída em 20/3/2014 à 7ª Vara Federal de Brasília, para determinar a reavaliação dos ingredientes ativos glifosato, parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram e paraquate; bem como para compelir à União que suspenda os registros já concedidos e não autorize novos produtos que contenham referidos ingredientes ativos, até a finalização das respectivas reavaliações toxicológicas;

15. ainda com essa medida judicial, inclusive com a parcial antecipação dos efeitos da tutela, em 22/06/2015, para que, no prazo de 90 dias, se efetivasse o pedido elaborado na inicial, certo é que nada foi realizado, tendo o órgão, ainda, ao longo desse tempo, diminuído sua capacidade de atender a demanda de reavaliação de agrotóxicos, não obstante as recomendações fixadas pelo TCU, mencionadas no item 13;

16. em 3/8/2018 foi proferida nova decisão liminar determinando o cumprimento das obrigações acima descritas, no prazo de 30 (trinta) dias para a União, e até 31/12/2018, para a ANVISA, sob pena de multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento ;

17. o Juízo da 7ª Vara Federal de Brasília, sem entrar no mérito da eficiência agronômica dos agrotóxicos, entendeu que “não se pode permitir que se coloque a vida e a saúde em risco para manter-se a produtividade, sendo necessário o emprego de meios diversos para tal fim” e que “já fora disponibilizado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária tempo mais que suficiente para efetivar a reavaliação”;

19. a insustentável Nota Técnica nº 19/2018/CGAA/DFIA/MAPA/SDA/MAPA, emitida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para fornecer elementos para a defesa da União, alegando que a Justiça Federal tomou a decisão “com base em subsídios insuficientes”;

20. a defesa do uso do glifosato se baseia na sua eficiência agronômica e nos seus proventos econômicos, uma vez que cerca de 90% da soja plantada no Brasil é geneticamente modificada para se tornar resistente a esse herbicida, não havendo interesse em migrar para outros modos de produção menos prejudiciais, bem como na desqualificação da posição adotada pelo IARC, tendo em vista a suposta ausência de estudos.

Por tais motivos, o FÓRUM APOIA a decisão judicial proferida, corroborando todos os relevantes e bem colocados fundamentos lançados em seu teor, cabendo à ANVISA e à União dar integral cumprimento a ela e concluir os processos de reavaliação toxicológica dos ingredientes ativos supracitados até 31/12/2018, suspendendo os registros e se abstendo de conceder novos, até que sejam concluídos tais procedimentos.

ENTENDE o FÓRUM que a atuação do Poder Judiciário vai muito além da mera aplicação mecânica de regras e leis em sentido estrito. São situações como a presente, de omissão e morosidade da Administração Pública, que revelam a importância de se conferir efetividade aos comandos constitucionais que determinam a proteção aos direitos fundamentais , levando em consideração não apenas as normas infraconstitucionais que os regulamentam, mas os fins sociais e às exigências do bem comum, nos termos do artigo 5º, do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Nesse sentido, não prevalece a alegada insuficiência apontada na nota emitida pelo MAPA, uma vez que ela tem como questões subjacentes a eficiência agronômica dos pesticidas e a redução da produtividade, desprezando aspectos que devem prevalecer, como os princípios da prevenção e precaução, e que foram devidamente considerados na decisão judicial, referentes aos efeitos dos agrotóxicos na vida e saúde humana, aí compreendido o meio ambiente ecologicamente equilibrado, indispensável a uma existência sadia.

A submissão da questão dos agrotóxicos à conveniência da ordem econômica, como sugere o MAPA, é uma inversão de valores que não se coaduna com a Ordem Constitucional, devendo o problema ser enfrentado com a adoção de uma postura comprometida, responsável e de acordo com o verdadeiro escopo da Administração Pública que é a busca pelo bem-estar social, saúde e proteção ambiental.

Enfatize-se que o discurso extremista que condiciona a produção agrícola à liberação dessas substâncias já foi utilizado em outros casos como do benomil, do monocrotofós e do endossulfam, os quais, ao contrário da previsão, foram naturalmente superados pelo setor agroeconômico após as respectivas proibições.

Tal estratégia, também adotada por outras indústrias tóxicas como de cigarro e amianto, tem como objetivo apenas desviar o foco das denúncias, negando ou ocultando os danos causados por seus produtos.

Por derradeiro, ASSENTA O FÓRUM que, em tempos de desregulamentação de direitos humanos, como a que está sendo proposta no Projeto de Lei n.º 6.299/2002, decisões judiciais com a presente são verdadeiros instrumentos de reação legal e proteção social contra o retrocesso.

 

Brasília, 28 de agosto de 2018.

 

Coordenador do Fórum Nacional

PEDRO LUIZ G. SERAFIM DA SILVA – MPT

 

Vice-Coordenadora do Fórum Nacional

FÁTIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI – MPF

 

Secretário-Executivo

LUIZ CLÁUDIO MEIRELES – ENSP/FIOCRUZ