O FÓRUM NACIONAL DE COMBATE AOS IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS e os FÓRUNS ESTADUAIS abaixo nominados, instrumentos de controle social que congregam entidades da sociedade civil com atuação em âmbitos estadual, regional e nacional, órgãos de governo, o Ministério Público e representantes de setores acadêmicos e científicos, por seus representantes abaixo-assinados, conforme deliberação unânime da Plenária Anual, ocorrida nos dias 4 e 5 de novembro de 2019, no âmbito do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia – CBA, no Campus da Universidade Federal de Sergipe, tendo em vista o DIA MUNDIAL DE NÃO AO USO DE AGROTÓXICOS, vêm a público manifestar seu REPÚDIO À ATUAL POLÍTICA LIBERATÓRIA DO GOVERNO FEDERAL, ao tempo em que ALERTA A SOCIEDADE sobre suas consequências, nos seguintes termos:

 

  1. O uso de agrotóxicos no Brasil, recordista em consumo por área de plantação, é uma questão de Saúde Pública, Ambiental e de Direitos Humanos, como bem já se manifestou a Organização das Nações Unidas, em diversas publicações, exigindo das autoridades brasileiras a adoção de uma postura comprometida, responsável e de acordo com o verdadeiro escopo da Administração Pública, que é a busca do bem-estar social, da proteção à saúde e da preservação ambiental, conferindo efetividade aos comandos constitucionais que determinam a garantia aos direitos fundamentais;

 

  1. Não obstante, a atual Política do Governo Federal tem ignorado os perigos do uso indiscriminado de agrotóxicos e a importância da aplicação dos princípios da precaução e da prevenção para se resguardar a saúde humana e o meio ambiente, subordinando a questão à conveniência de um naco retrógrado de produtores rurais, que sequer reflete o interesse econômico do agronegócio, prejudicando, ainda, a própria imagem dos produtos brasileiros no exterior;

 

  1. Nesse contexto, se já não bastasse a manutenção do registro de diversos ingredientes banidos pela União Europeia, em razão de sua toxidade, perigo à saúde humana e dano ambiental e, sua associação a casos de câncer, o Governo Brasileiro liberou o uso de outros 467 agrotóxicos, sendo o maior número contabilizado em um único ano desde quando se iniciou o registro;
  2. Com efeito, essa liberação inconsequente e desenfreada certamente agravará o quadro nacional de contaminação da água que, segundo estudos e notícias recentes, ostenta a presença de um coquetel com 27 agrotóxicos na rede de abastecimento de 1.396 municípios, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, Curitiba, Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Palmas. No Brasil estão autorizados para uso cerca de 500 diferentes agrotóxicos, entretanto, na água de consumo humano, somente 27 são pesquisados, conforme determinado pela portaria;
  3. Frente ao volume de agrotóxicos utilizado urge ampliar as ações de monitoramento para construção de políticas públicas que reduzam os impactos da contaminação ambiental e humana. Apesar da previsão legal os alimentos de origem animal, alimentos processados, as amostras ambientais: água, ar, solo e as contaminações em trabalhadores e população geral, não são objetos de programas de monitoramento. Por sua vez, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA, iniciado pela ANVISA em 2001, que deveria “avaliar continuamente os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal que chegam à mesa do consumidor”, não contempla diversas substâncias perigosas e relevantes, como o glifosato e o 2,4D, desconsidera a exposição concomitante a múltiplos venenos e ignora os riscos crônicos desses resíduos à saúde, violando os princípios da informação e transparência com a divulgação de dados contraditórios e enganosos.
  4. Com relação ao Glifosato, agrotóxico não monitorado e mais vendido no Brasil, houve recente retrocesso na reavaliação pela Anvisa, mantendo seu registro, a despeito da monografia de 2015 da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/WHO), que o classificou como provável cancerígeno (grupo 2A), sob o fundamento de que, “quanto às propriedades proibitivas de registro, previstas na Lei 7.802 de julho de 1989, o Glifosato não apresenta características mutagênicas, teratogênica s e carcinogênicas, não é desregulador endócrino e não é tóxico para a reprodução. Não há evidências científicas de que o Glifosato cause mais danos à saúde que os testes com animais de laboratório puderam demonstrar”. Além da monografia do IARC/WHO, o processo de reavaliação do registro do Glifosato ignorou diversos trabalhos científicos respeitados, a exemplo da pesquisa de Eliane Dallegrave, que comprovou o potencial do glifosato interferir na reprodução e no desenvolvimento embriofetal. Também, foram desconsideradas as recentes condenações da Justiça Americana que reconheceram que o Glifosato causou linfoma não-Hodgkin ao jardineiro Dewayne Johnson, ao casal Alberta e Alva Pilliod e ao aposentado Edwin Hardeman; sequer manteve o produto em alerta, quando países como a Alemanha, acompanhando o exemplo da Áustria, decidiu proibir o uso do Glifosato após o término da autorização concedida pela União Europeia, que ocorrerá em 31 de dezembro de 2023, conforme notícia divulgada pelo Jornal Folha de São Paulo, na edição impressa de 5/9/2019. Dessa forma, a manutenção do registro do glifosato viola o artigo 3º, § 6º, alínea c, da Lei 7.802/89, segundo o qual é vedado o registro de substâncias que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados dos testes e experimentos realizados pelos registrantes e estudos atualizados pela comunidade científica;
  5. Pontue-se, ainda, que a Anvisa alterou recentemente o marco regulatório de classificação da toxidade dos agrotóxicos, passando a adotar o risco de morte como único critério, permitindo o registro de mais agrotóxicos extremamente tóxicos, bem como sua classificação em categorias mais baixas. As Resoluções 294 e 295 trazem em seu conteúdo mudanças que representam distanciamento da realidade na regulação de venenos e significativo incremento de perigo para os trabalhadores e para população rural. A norma transformou produtos classificados como de elevada toxidade, extremamente tóxicos e altamente tóxicos, respectivamente das classes l e ll, em produtos da categoria 4 e 5 (nova classificação), pouco tóxicos ou improváveis de causar dano agudo. A mudança, apresentada como algo moderno, significa retrocesso e mais perigo para os trabalhadores, visto que hoje não se poderá mais fazer a distinção entre uma embalagem de agrotóxico capaz de “destruir a visão”, por exemplo, e um outro produto de uso comum, pois a simbologia e os dizeres que alertavam para o perigo, como faixa vermelha e caveira, foram suprimidos conforme as novas categorias de classificação. Outra questão que se impõe com a inexistência dos símbolos para produtos extremamente e altamente tóxicos reside em como as políticas públicas e os gestores vão atuar, em suas estratégias de controle dos agrotóxicos, visto que à quase totalidade deles não mais possuí toxicidade relevante, segundo regulação da autoridade sanitária. Certamente ter-se-á, também, impacto sobre políticas de redução de agrotóxicos, programas e ações de toxico-vigilância, alimentação livre de agrotóxicos, produção orgânica e agroecológica, entre outras inúmeras medidas estabelecidas no país nos últimos anos para reduzir agravos à saúde e os danos ambientais por venenos.
  6. De outro lado, especialistas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) estão alertando que a quantidade de abelhas e outros polinizadores responsáveis pela polinização de 75% das plantas do planeta que possuem flores, “está sendo reduzida em muitas partes do mundo devido, em grande parte, a práticas agrícolas intensivas, monocultura, uso excessivo de produtos químicos agrícolas e temperaturas mais altas associadas às mudanças climáticas”, o que pode levar à extinção de diversas fontes de alimentos humanos. Nos últimos meses, no Brasil, conforme notícias amplamente divulgadas pela mídia, foram contabilizadas mais de 500 milhões de mortes de abelhas em consequência do uso indiscriminado de agrotóxicos, estimando-se que o número real pode chegar a 1,5 bilhão em razão da falta de registro adequado dos casos;
  7. Outrossim, a pulverização aérea potencializa os danos causados pelos agrotóxicos, uma vez que a contaminação decorrente da deriva pode chegar a 32 quilômetros da área-alvo, o que tem causado, inclusive, graves e frequentes “acidentes” no país, com impactos à saúde de crianças e comunidades tradicionais, como o que ocorreu na Escola Municipal Rural São José do Pontal, localizada no Assentamento Pontal do Buriti, Município de Rio Verde, Goiás, onde diversos alunos de 9 a 16 anos e trabalhadores foram intoxicados por uma chuva de agrotóxico por pulverização aérea, em 3 de maio de 2013. Diante desse risco e em sintonia com a competência estabelecida pelo artigo 10, da Lei nº 7.802/1989, diversos estados estão editando leis locais, a exemplo da Lei Cearense nº 16.820/2019, vedando a pulverização aérea de agrotóxicos no âmbito de seus territórios, o que revela uma opção política constitucionalmente válida e desejável, a qual deveria, inclusive, ser seguida pela União;
  8. Todavia, no Congresso Nacional, existem projetos de lei em tramitação, a exemplo do PL 6.299/2002, mais conhecido como “Pacote do Veneno”, que pretendem flexibilizar a legislação de agrotóxicos e reduzir a proteção constitucional à saúde e ao meio ambiente, contrapondo-se à tendência internacional de cada vez mais restringir a utilização desses produtos perigosos;
  9. O uso de agrotóxicos deve ser desestimulado, da mesma forma que práticas agroecológicas precisam ser fomentadas, tornando-se imperiosa a aprovação do PL 6670/2016, que propõe a instituição da “Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA”, e a rejeição do supramencionado PL 6299/2002.

 

Por tais motivos, os FÓRUNS REPUDIAM o retrocesso regulatório, o processo de liberação desenfreada e o uso indiscriminado dos agrotóxicos, e ALERTAM a sociedade brasileira sobre suas consequências ao meio ambiente e à saúde, ao tempo em que CONCLAMAM TODOS para uma ação conjugada em favor da vida e da dignidade da pessoa humana, que resulte em controle social efetivo, fazendo ecoar, junto com outros países, um contundente NÃO ao uso dos agrotóxicos.

Brasília, 03 de dezembro de 2019.

 

Pedro Luiz Gonçalves Serafim da Silva

Coordenador Geral

 

Fátima Aparecida Borghi

Coordenadora Adjunta

 

Luiz Cláudio Meirelles

Sec. Executivo Geral

 

Fóruns Estaduais:

(Original irá assinado)